O sinal que faltava de como os chamados mercados estão a reagir positivamente aos resultados da cimeira europeia….
O sinal que faltava de como os chamados mercados estão a reagir positivamente aos resultados da cimeira europeia….
O que cada um faz com o dinheiro que legalmente recebe é da sua exclusiva responsabilidade. E é tão estimável quem o usa em proveito próprio como quem o doa. O problema é de outra natureza: é o de saber se faz sentido ou não, a existência de certo tipo de regalias que alguns titulares e ex-titulares de cargos públicos usufruem. Prescindir de algo a que legalmente se tem direito após a pressão da opinião pública ou por solidariedade,não se sabe a quem, é um mero oportunismo. O que se pede não são actos de abdicação individual,é uma reavaliação de situações e de critérios.
Qual é a diferença entre o titular de um cargo público (deputado/governante, magistrado) que para exercer a sua actividade pública muda da residência habitual e para esse efeito aufere um subsidio e um outro qualquer funcionário público (engenheiro, professor, técnico administrativo) que, em igualdade de circunstâncias tem de suportar integralmente esse custo? Por que não aproveitar o momento para reformular um modelo claramente iníquo? E por que não aproveitar para acabar com o escândalo de carreiras especiais na administração pública, como a dos inspectores tributários, com remunerações salariais muito para além dos 14 meses?
Cavaco Silva tem razão. Porque sabe que a solução adoptada (cortes nos subidos de férias e de natal de funcionários públicos e de outros trabalhadores de entidades do sector empresarial e local do Estado) é de duvidosa constitucionalidade e não era a única solução que o governo tinha disponível. Mas pode não ter sido oportuno na forma como o fez. Mas, para isso, precisamos de mais algum tempo para o saber. O suficiente para conhecer o que tem a oposição a propor de alternativa e o que está o governo disposto a alterar.
Dizem que se tem de falar verdade aos portugueses. Mas até à data a única verdade têm sido a restrição ,a redução e a degradação das suas condições de vida. O problema reside em quem apela a essa regeneração padecer dos mesmos males que, no passado, acusou aos outros. Porque falar verdade aos portugueses pode significar tão só dizer isto: não temos como pagar o que devemos nas condições que nos são impostas. E das duas uma: ou nos libertam do que devemos; ou só podemos pagar se as regras forem outras. Dito assim, a coisa foge aos cânones do politicamente correcto.E não transmitem confiança a essa entidade mítica que são os mercados. Com uma vantagem: percebe-se o que está em causa. E que não vale a pena sofrer com tratamentos que no final nos vão deixar na mesma. Ou pior.
O sufoco e o desespero orçamentais levam a cortes cegos por parte do Estado. E quando não são os cortes são as razões para os cortes. Justificar a bondade da redução dos salários dos trabalhadores da função pública pelo facto de auferirem salários mais elevados que os seus homólogos no sector privado são um desses exemplos. Os trabalhadores da função pública que em média ganham mais do que no privado são aqueles cujo vencimento mensal ficará isento de qualquer redução. Os quadros técnicos e os dirigentes que vão ser penalizados ganham em média menos que os seus equivalentes no sector privado.
A produtividade não aumenta necessáriamente por se aumentar o horário de trabalho. Se o problema da competitividade da economia portuguesa fosse o número de horas que se trabalha, Portugal não tinha de se queixar. Mas a baixa produtividade, e com ela a deficiente competitividade, não resulta das pessoas trabalharem poucas horas, mas de estarem em grande parte ocupadas em actividades que possuem um baixo valor acrescentado. Imaginar que trabalhar mais meia hora por dia vai ajudar o problema da competitividade da economia portuguesa é um equívoco. Mesmo sabendo que essa a medida baixará os custos do trabalho. Ou seja, desvalorizará os salários. Essa consequência é, de resto, a única que,à partida, está garantida.
Qualquer que seja a avaliação em relação ao actual governo é indesmentível que muitas das medidas de austeridade que hoje defendem, designadamente em matéria fiscal, são o contrário daquilo que o PSD na oposição dizia que ia fazer. Interrogo-me como é possível, um partido que fez e com inteira razão, dos ataques à relação de Sócrates com a verdade uma bandeira de afirmação política, consegue, em tão pouco tempo, fazer o oposto do que dizia que ia fazer. Até o hábito de pedir desculpa aos portugueses se perdeu.