Os problemas das democracias atuais não se circunscrevem às suas tradicionais formas de representação. E a crise que as percorre está longe de se limitar aos titulares dessas formas. Como recentemente assinalava Francisco Assis no jornal Público o que se passa tem a ver com uma crise do próprio sentido da ação coletiva. E a desesperança que se instalou em muito de nós quanto à construção de um futuro mais promissor desafia-nos a que nos interroguemos se fazemos tudo quanto devemos para contribuir de modo a que as coisas sejam diferentes.
É, por essa razão, que considero um simplismo redutor atribuir a degradação da participação e debate sobre a coisa pública aos partidos políticos. E aos modos como estes garantem a mediação e representação política dos cidadãos. Não porque não seja verdade que têm responsabilidades nessa situação. O que não é verdade é que essa degradação seja um exclusivo dos partidos políticos. Os problemas do espaço público são bem mais vastos. E se os não compreendermos estaremos fatalmente prisioneiros de alibis simplistas e demagógicos em que a culpa é sempre dos políticos.
A democracia não é uma pertença exclusiva dos partidos políticos e dos seus atores. A construção do espaço público não é sua reserva. Outros intermediários operam no espaço público mediando os factos e condicionando, no modo como os medeiam, a própria opinião pública. É o caso da comunicação social.
As manifestações a que recentemente o País assistiu não teriam o impacto que tiveram se as televisões as não tivessem transmitido em direto. E em certa medida se as não tivessem promovido e publicitado mesmo antes de ocorrerem. Esta espetacularização do protesto público acrescenta— lhe novos valores ampliando o protesto e levando – o a territórios antes ignorados. O protesto deixou de ser apenas noticia para passar a ser reportagem em direto.
A simpatia com que este tipo de ocorrências é recebida não é necessariamente uma coisa boa. A tirania dos meios de comunicação social não é uma virtualidade para as democracias. A democracia em direto e nas ruas não é necessariamente uma vantagem para a ação cívica. Independentemente da maior ou menor simpatia pelos protestos não se pode ignorar a ampliação que deles é feita pela comunicação social. O que leva a que uma manifestação seja como um jogo de futebol. O que duram é bem menos do que produzem em dezenas de horas de transmissão televisiva. O efeito é devastador. Porque tal como no futebol a sobreinformação é um modo de condicionar a opinião sobre a realidade. E ao fazê-lo, em certa medida, confisca a liberdade. A liberdade de se pensar que se muda um governo ou o rumo de um país à margem dos mecanismos políticos ou constitucionais.
Publicado na edição de 5 de Outubro do Primeiro de Janeiro