Portugal, até á passada quarta-feira, era apresentado como um exemplo de paz social. Um país onde podia decorrer uma cimeira da Nato sem que um vidro fosse partido. Assistíamos a reportagens televisivas de manifestações em outros países e o contraste era evidente. De um momento para o outro tudo mudou. E as televisões internacionais passam os acontecimentos de Portugal que em nada diferem dos de Espanha, Grécia, França ou Itália: provocações à polícia , respetivas cargas policiais e um rasto de violência e destruição pelo caminho.
Afinal Portugal não dispunha de qualquer idiossincrasia especial que a excetuasse deste estado de coisas. Apenas, como é norma em outros domínios, uma espécie de modernidade tardia. As coisas chegam cá sempre mas mais tarde.
Como sucede nestas situações adiantam-se juízos explicativos. Seria bem melhor que se adiantassem procedimentos preventivos não apenas no domínio da segurança, mas também das políticas sociais que não criem terreno fértil ao desenvolvimento de radicalismos e de certo tipo de violência anarquista.
As democracias ocidentais, a crise que nelas habita e os radicalismos que as atingem não podem ser resumidos ao comportamento de meia dúzia de indivíduos ou a uma espécie de turismo da violência que passearia de pais em pais semeando a provocação e a desordem Há dinâmicas sociais e modos de organizar a vida das comunidades que fomentam o aparecimento de fenómenos de radicalismo político. Seria desastroso que os responsáveis políticos o não compreendessem.
Na quarta-feira a polícia fez o que foi obrigada a fazer. Provocada, insultada e agredida respondeu como lhe competia. E deve ficar por aí. Pretender avançar com explicações que ultrapassem o detalhe técnico da operação é terreno que não lhe pertence e que não deve pisar.
O governo resumiu o ocorrido a meia dúzia de provocadores. Desvalorizou o ocorrido. Se são apenas meia dúzia a situação será irrepetível. Qualquer sistema de segurança cairá numa situação ridícula se não consegue evitar a onda de distúrbios provocada por tão escassas pessoas. Seria mais avisado se o governo não se precipitasse em análises tão sumárias e simplistas. Porque em Portugal como nas restantes democracias ocidentais um certo tipo de radicalismo e violência juvenil chegou e não está para se ir embora tão depressa. E tem todas as condições para que a ela se juntem novos radicalismos de natureza mais corporativa. O desfile dos estivadores na manifestação de quarta-feira ou dos polícias dias antes, as palavras de ordem gritadas, os cartazes e a violência gestual exibidos dão para perceber que estamos perante um problema bem mais vasto e profunda.
Publicado na edição de hoje do Primeiro de Janeiro