Em 2004, Durão Barroso insistiu em discursar na inauguração do Estádio do Benfica. E a coisa não correu bem. Foi recebido com uma vaia monumental, o discurso interrompido por mais de uma vez e nem os apelos do falecido Fialho Gouveia pela instalação sonora do estádio alteraram o comportamento dos presentes. Tudo em direto transmitido pela televisão. Era o sinal do início de um divórcio com o País. Pouco tempo depois as eleições europeias confirmavam-no. De tal modo que abandonou o governo e foi procurar a sua zona de conforto fora do país.
Há pouco tempo, em Mafra, numa banal cerimónia, por ocasião de abertura dos Jogos da Lusofonia, Miguel Relvas ministro de desporto enquanto discursava era fortemente vaiado. Presumo que se atualmente entrar num espetáculo desportivo, nem precisa de ser do futebol, e a sua presença for anunciada é, por certo, monumental assobiadela.
José Sócrates no último período do seu mandato onde quer que fosse tinha uma manifestação à espera. Maria de Lurdes Rodrigues a mesma coisa. E se andássemos mais para trás encontrávamos situações similares. Estes casos não são virgens. Contestação aos governos e aos governantes existe em todo o lado. O que é novo é a dimensão dessa contestação. Os governantes perderam o país e este perdeu-lhes o respeito. Parece que não há governante que se safe. O que quase leva o governo para a clandestinidade dos gabinetes. Sair à rua em serviço oficial tem à espera uma qualquer manifestação. Até o pobre, politicamente falando, secretário de estado do desporto, teve direito no Seixal a uma manifestaçãozinha.
Goste-se ou não do governo a legitimidade para governar é dele. E não há manifestações que possam substituir as decisões que legitimamente toma. Mas seria um erro de colossais proporções não perceber a dimensão do que se está a passar. E de que as manifestações de sábado passado evidenciam: é que não haverá estabilidade governativa enquanto houver instabilidade política e social. A governação não pode obedecer a caprichos e teimosias. Ou ser um mero exercício de vindictas. Nunca o deverá ser. E menos ainda num momento de tão grandes dificuldades. O governo foi eleito para governar. Mas não pode ignorar a vaga de descontentamento que sua ação está a desencadear. A legitimidade política mantém-se. Mas essa legitimidade enfraquece-se no plano da ação política se irresponsavelmente ignora o que decorre do exercício da governação.
Neste momento mais importante que a elaboração do orçamento para o próximo ano é o governo reencontrar-se. Desde logo entre si e os partidos que o compõem. E depois com o país. Dificilmente o conseguirá. Mas se não mudar de pessoal político nem vale a pena tentar.
Publicado na edição de hoje do Primeiro de Janeiro