Não é preciso ter experiência e conhecimento da docência e das regras universitárias para perceber que as equivalências que foram concedidas a Miguel Relvas são um embuste no plano científico e institucional, por muito meritório que se possa considerar o seu percurso profissional. Um percurso que, curiosamente, também permite a interrogação sobre que competências tinha para desempenhar muitos dos cargos, ainda que de modo fugaz, e que constam do seu currículo.
A atribuição da licenciatura em causa justificada com implicações e regulamentos inerentes ao Processo de Bolonha constitui uma ofensa à inteligência. Nada nesse processo justifica o que aconteceu. E o que aconteceu é da responsabilidade da universidade em causa que usou uma disposição legal de forma absolutamente leviana.
A impunidade deste tipo de decisões não é caso único. Abundam as entidades que numa lógica estritamente comercial anunciam pós – graduações em que se podem habilitar pessoas sem qualquer graduação ou equivalente. Toda esta lógica, por parte de instituições do ensino superior e universitário, de vender títulos de formação, constitui uma afronta e uma ofensa a todos os quadros formados em Universidades onde impera um clima de exigência, de trabalho e de rigor. E o modo como o caso presente já se inscreveu no anedotário nacional revela o entendimento com que a opinião pública o recebeu.
É certo que o caso tem relevo por se tratar de uma figura pública. E uma figura que tem sido objeto de permanente polémica. E porque a memória está fresca. Miguel Relvas pertence a um partido politico que fustigou a licenciatura de José Sócrates. Mas independentemente de um juízo individual sobre pessoas que se dispõem a obter graduações académicas em condições pouco normais e à revelia dos métodos tradicionais, o que fica deste episódio é que as instituições universitárias, ou alguns dos seus membros, podem tomar decisões que são um insulto ao mais elementar dos princípios: a credibilidade dos títulos que conferem.
Compreende-se o embaraço do atual ministro da educação em falar do caso de um seu colega de governo. E lá vai dizendo que é preciso mudar a lei. Percebe-se o que quer dizer com a necessidade de mudança. E o incómodo que a situação lhe causa. Apesar de tudo bem mais aceitável que as palavras do primeiro-ministro que considerou o caso um não assunto. Mas já se não compreende que não tenha, de imediato, mandado abrir um inquérito à Universidade Lusófona para que se esclareçam as condições em que foi atribuída a referida licenciatura.
Uma nota final: perante o que se conhece é estranho o silêncio das restantes instâncias universitárias, do Conselho dos Reitores, daquelas instituições que ainda prezam a qualificação académica por via da respetiva formação e não pela atribuição de créditos ao desbarato
Publicado na edição de hoje do Primeiro de Janeiro